Oito ou oitenta: a antítese de Fernando Diniz no Morumbi

Amado por alguns, detestado por muitos. Após um ano no São Paulo, Fernando Diniz mostra que o contraste é a maior característica de seu trabalho

Quando Fernando Diniz ainda balançava no cargo de treinador do Fluminense, o que mais chamava a atenção daqueles que não torcem para o Tricolor das Laranjeiras é o fato do técnico ser amado por parte da torcida e detestado por outra parte dela. À altura, nenhum torcedor do São Paulo Futebol Clube poderia imaginar que o próximo trabalho de Diniz seria exatamente no Tricolor Paulista, já que a equipe tinha o experiente Cuca no comando. No entanto, a oscilação entre bons e maus resultados forçou Cuca a pedir o boné, frustrando quem apostava que ele repetiria no São Paulo o bom desempenho que teve no Atlético-MG e Palmeiras.

Em 2019, Cuca e Fernando Diniz não tiveram sorte à frente de seus times
(Foto: Bruna Prado – Getty Images / Jorge Rodrigues – Eleven – Estadão Conteúdo)

Com a vaga de treinador livre, não seria exagero dizer que a maior parte da torcida são-paulina jamais imaginaria Fernando Diniz como técnico do clube, já que seus antigos trabalhos não o credenciavam para comandar um clube da magnitude do São Paulo, independente de seus -então- sete anos na fila por títulos.

Aquando da escolha, este mesmo que vos escreve prometeu que não assistiria mais nenhuma partida dali pra frente. A promessa, porém, durou só até a bola começar a rolar no jogo entre São Paulo e Flamengo, que marcou a estreia de Diniz no comando do Tricolor.

Meses depois, o que se via era um time como uma postura diferente, mas que ainda oscilava. Para alguns, aquilo era reflexo da nova filosofia que Diniz tentava implantar, ainda em fase de adaptação pelos atletas. Para outros, o novo técnico já começava a mostrar que repetiria os insucessos no clube atual.

Aos trancos e barrancos, o São Paulo de Diniz fez o arroz com feijão e conseguiu uma vaga direta para a Libertadores 2020. Para alguns, o feito foi comemorado, já que ainda em 2019 o São Paulo passou vergonha na Pré-Libertadores. Para outros, o São Paulo de Diniz não fez mais do que a obrigação, já que Internacional, Corinthians e o próprio Tricolor Paulista pareciam brigar para ver quem não ficaria com o “cobiçado” sexto lugar da competição.

Para o desgosto de muitos, Diniz começou o ano de 2020 como técnico do São Paulo. O time até que mostrava evolução. A equipe administrava a posse de bola, criava chances de gol, mas ainda pecava nas finalizações. Porém, bastaram alguns tropeços para Diniz balançar. Em resposta, o São Paulo Futebol Clube lançou um vídeo para ratificar a permanência e apoio a Fernando Diniz. Em campo, o São Paulo era um oito ou oitenta: o time perdia jogos teoricamente fáceis, ganhava jogos improváveis, perdia quando não podia perder e realizava façanhas quando menos se esperava.

Duas imponentes vitórias, contra LDU e Santos, fizeram Fernando Diniz estacionar na crista da onda da oscilação antes da parada imposta pelo surto de Covid-19. Alguns chegaram a crer que o time voaria feito uma águia após a parada. Mas, tal qual um avestruz ratita, a vontade do são-paulino era enterrar a cabeça no solo após a vexatória eliminação para um Mirassol que havia sido formado dias antes do jogo contra o Tricolor da folha salarial milionária.

Hoje, a história parece não ter mudado no Morumbi. O time de Diniz continua oscilando. Em uma sequência de jogos contra times ditos “inferiores”, o São Paulo foi capaz de convencer. Contra os times mais “fortes”, no entanto, o São Paulo passou a mostrar problemas para criar e até para sair jogando, especialidade do professor. Quando achamos que o time ia emplacar, ele emperrou. Quando achamos que ia empacar de uma vez, o time esboçou uma reação.

Fora do campo, a antítese parece ter contagiado até a torcida. Alguns idolatram o Dinizismo. Outros não querem nem ouvir o nome do técnico. A única unanimidade que surge no delicado caso Fernando Diniz é o incômodo paradoxo: ou você ama o técnico e está disposto a abraçar suas convicções, ou entrega os pontos e embarca na próxima onda prestes a oscilar.

Hoje, o são-paulino sabe que é possível entender perfeitamente os torcedores do Fluminense.

Após um ano no cargo, o oito ou oitenta é marca registrada do time de Fernando Diniz
(Foto: Agustin Marcarian – Pool/Getty Images)
Afinal, o São Paulo finalmente conseguiu a “cara de campeão” que tanto busca ou ainda falta algum espaço para preencher neste time?

O que a França bicampeã do mundo tem a ver com o São Paulo FC?

Afinal, o tricolor finalmente conseguiu a “cara de campeão” que tanto busca ou ainda falta algum espaço para preencher neste time?

Empolgou? Não, muita calma! O São Paulo pode até estar vivendo uma boa fase, mas longe de comparar o time de Cuca com a França bicampeã mundial na Rússia, em 2018. Toró não é nenhum Mbappe e Antony, apesar do nome, está longe de ser um Griezmann. Entretanto, estes dois, assim como os demais atletas do São Paulo e da seleção francesa, jogam um futebol que é taticamente muito parecido.

E estas semelhanças não se restringem apenas ao tricolor. Muitos times adotaram esta formação com pontas mais participativos e tornaram as beiradas do campo nas jogadas mais perigosas de suas equipes. Mas, como estamos em um blog são-paulino, vamos limitar os comentários ao nosso clube bem amado.

Perto de completar 30 anos, me lembro bem da seleção brasileira pentacampeão mundial, em 2002. O time de Felipão, seguindo a escola gaúcha, chegou ao título com uma equipe que jogava para frente, mas não abria mão de seus três zagueiros. Uma novidade para uma seleção com jogares tão talentosos no ataque. Anos mais tarde, o 3-5-2 se transformou em um esquema amplamente utilizado em nosso país. Prova disso é que nossas glórias no memorável ano de 2005 vieram com Lugano, Fabão e Edcarlos (sendo Alex o titular da campanha na Libertadores).

Em 2006, a Itália, famosa por seus exímios defensores, levou a Copa do Mundo e ratificou o bom momento do futebol defensivo. Apesar de não jogar com três zagueiros, a Itália tinha um sistema sólido e o “muro Cannavaro” não foi eleito apenas o melhor jogador do mundial, mas também vencedor do prêmio de melhor do mundo da FIFA daquele ano. De quebra, Cannavaro sagrou-se o primeiro zagueiro a conquistar tal façanha. Enquanto isso, no Brasil, a hegemonia dos três zagueiros continuava. E foi com o 3-5-2 que fomos tricampeões brasileiros em 2006, 2007 e 2008.

A Copa do mundo na África do Sul, em 2010, adicionou a Espanha no rol de campeões. A herança deixada pelos espanhóis foi o tiki-taka. Antes mesmo da seleção mostrar ao mundo a sua envolvente troca de passes e posse de bola esmagadora, o Barcelona de Pep Guardiola já brilhava ao jogar deste mesmo jeito. Com a base da Fúria composta alguns dos craques do time catalão, a Espanha de Vicente del Bosque não teve dificuldades em implantar o mesmo estilo de jogo.

No resto do mundo, os times passaram a copiar o modelo, já que tanto o Barcelona quanto a própria seleção espanhola continuavam a erguer taças. Mas apenas a posse de bola não ganha jogo. Os times menores, quando enfrentavam os grandes, passavam a jogar pela famosa “única bola”, explorando os erros do adversário. O tiki-taka exigia que os pontas voltassem pra marcar os avanços dos laterais adversários e também para garantir a rápida transição do campo de defesa para o ataque.

Sessenta e quatro anos após o famoso Maracanaço, em 1950, o Brasil voltava a receber uma Copa do Mundo. A euforia estava nas alturas e a conquista do hexa jogando em casa contagiava os brasileiros. Mas o que aconteceu em 2014 ainda está fresco na memória de todos e dói até hoje. Depois da Alemanha aplicar acachapantes sete gols na semifinal contra o Brasil e bater a Argentina na final, o vestibular para falso 9 foi o mais concorrido da Fuvest naquele ano e a Catho Online registrou um número recorde de centroavantes de ofício buscando novos empregos.

O falso 9 consiste em povoar o meio de campo para ter maior posse de bola e permitir que um jogador de trás chegue à área com boas chances de finalizar. Para isso, é importante a participação dos volantes no jogo. E aquela seleção alemã contava com a dupla Khedira e Toni Kroos, ambos com muita habilidade para distribuir passes. O volante não poderia mais ser apenas aquele carniceiro que mata as jogadas. O centroavante, por sua vez, passou a sair mais da área para buscar o jogo e abrir espaços para os meias também pisarem na casinha.

A Copa da Rússia e seus reflexos no futebol de hoje

Como uma nova Copa sempre deixa seu legado, coube à França transformar o 4-3-3 em sensação. Como num passe de mágica e quase sem perceber, esse esquema se tornou o mais popular no futebol atual. Poderíamos passar horas dando exemplos, como Griezmann-Messi-Soares, Mané-Salah-Firmino, Neymar-Mabappe-Cavani, até chegar ao nosso atual Anthony-Pato-Pablo (se assim o nosso Departamento Médico permitir…). Há pouco tempo, a realidade com Diego Aguirre era Everton-Rojas-Diego Souza. Jogadores diferentes, técnico diferente, mas esquema similar.

No entanto, analisando o elenco são-paulino, podemos dizer que o clube adotou o 4-3-3 em virtude das joias de Cotia. Eles reúnem aquilo que o jogador brasileiro tem de melhor: explosão, rapidez, agilidade, drible, criatividade. Adjetivos não faltam para jogadores como David Neres, Luiz Araújo, Antony e Toró. Além de bons de bola, são excelentes fontes de receita para o clube.

Mas será que o 4-3-3 é mesmo o melhor estilo de jogo para o São Paulo? O leitor já deve ter percebido que em muitos jogos o time deixa de criar exatamente por haver um buraco no meio de campo. Quando o São Paulo tem o domínio da bola, o jeito é sempre abrir para um ponta tentar o jogo pelos flancos, na espera de um centroavante bem colocado para finalizar. E por vezes foi assim que o tricolor chegou a importantes vitórias em 2019.

Mas no mundo da bola as coisas nem sempre acontecem como previstas. A realidade do time são-paulino é o domínio da posse de bola, mas pouca definição. Contra um adversário bem postado, nossos pontas ficam sem alternativas de jogo pelas beirados do gramado e, em vão, recorrem a um companheiro pelo meio.

Começamos o ano com Nenê, Everton Felipe, Igor Gomes e Hernanes na posição. Nenê vivia má fase e foi negociado, Everton Felipe é preterido pela comissão técnica, Igor Gomes recebe poucos minutos por jogo e Hernanes está em um relacionamento sério com o Departamento Médico. Com isso, coube ao recém-contratado Vitor Bueno o papel de armador. Mas este, apesar de decisivo em um jogo importante, parece ainda estar longe de convencer.

Neste cenário, a função de organizador recai sobre jogadores que não são meias de ofício. Daniel Alves, jogador mais vitorioso da história do futebol, chegou para atuar como meia. Everton, que por sua vez também convive com sérias lesões, é um dos que fazem o papel de camisa 10 na ausência de um atleta da posição. E, assim como Daniel Alves, cai de rendimento quando descolado para o posto.

Se encontrar um meia é difícil, encontrar uma dupla de meias parece missão impossível. Ao analisar outros times, a impressão que temos é de que a figura de um meia clássico está cada vez rara no futebol brasileiro e mundial. A alternativa parece encher o time com jogadores velozes, que dão rapidez ao ataque, mas que não pensam a partida como pensa um legítimo armador. Neste caso, opta-se por preencher este vazio com quem tem à disposição.

Não podemos esperar mais três anos para que a próxima Copa do Mundo, realizada no Catar, revele um estilo de jogo com mais raciocínio e ação. Do contrario, perante as restrições técnicas e médicas que o São Paulo tem em seu elenco atual, não restará outra escapatória para a equipe senão uma saída à lá francesa: pelos lados.

De tri pra tri

Meu nome é Fernando Antonioli, 28 anos, jornalista e são-paulino. Nasci e cresci no Jardim Brasil, zona norte de São Paulo. Hoje, moro em Braga, Portugal, mas meu coração continua na Praça Roberto Gomes Pedrosa.

A paixão pela leitura transformei em um diploma (sim, ele existe!) de jornalista. A paixão pela escrita virou um livro de contos chamado “Café&Chantilly: a vida atrás do balcão”.

Às vezes, quando muito inspirado (ou muito puto), escrevo também sobre o SPFC. O resultado eu protendo publicar aqui, se a preguiça deixar. Um blog escrito por um são-paulino para outro. De tri pra tri.